quinta-feira, 4 de junho de 2009

historias da capoeira

A capoeira na história
Press kit distribuído pelo Iphan situa a capoeira no espaço e no tempo
Assessoria de Imprensa do Iphan
A capoeira é uma arte multidimensional, um fenômeno multifacetado - ao mesmo tempo dança, luta, jogo e música - que tem na roda o ritual criado pelos capoeiristas para desenvolver esses vários aspectos. A arte apresenta registros documentais e iconográficos desde o século XVIII.
Na pesquisa ela é definida como um fenômeno urbano surgido provavelmente nas grandes cidades escravistas litorâneas, que foi desenvolvido entre africanos escravizados ligados às atividades “de ganho” da zona portuária ou comercial. A maioria dos capoeiras dessa época trabalhava como carregador e estivador, atividades muito ligadas à região dos portos, e muitos realizavam trabalho braçal.
Durante a República Velha, a capoeiragem era uma manifestação de rua, afro-descendente, e muitos dos seus praticantes tinham ligações com o candomblé, o samba e os batuques. A iniciação dos capoeiras nessas atividades acontecia provavelmente na própria família, no ambiente de trabalho e também nas festas populares. Ainda sobre o universo das ruas, estudiosos revelam que o cancioneiro da capoeira se enriqueceu dos cantos de trabalho, e que o trabalhador de rua, em momentos lúdicos ou de conflitos, também se utilizava dos golpes e movimentos da capoeira.

Reviravolta
Tanto no Rio, como em Salvador e Recife, o jogo surge na documentação histórica como prática associada à marginalidade social, porém amplamente presente na vida política das cidades e do país, na medida em que os capoeiras envolveram-se, por exemplo, em “capangagem” eleitoral e na Guerra do Paraguai. Eles mantinham, assim, relações ambíguas com as camadas dominantes, fazendo muitas vezes o serviço de cabos eleitorais, quando necessário, e em outras ocasiões, enfrentando abertamente os agentes da lei.
A partir de 1890, quando a capoeira foi criminalizada, através do artigo 402 do Código Penal, como atividade proibida (com pena que poderia levar de dois a seis meses de reclusão), a repressão policial abateu-se duramente sobre seus praticantes. Os capoeiristas eram considerados por muitos como “mendigos ou vagabundos”. Outras práticas afro-brasileiras, como o samba e os candomblés, foram igualmente perseguidas.
Já na década de 1920, com o apoio fundamental de intelectuais modernistas que procuraram reconstituir as bases ideológicas da nacionalidade, as práticas afro-brasileiras começaram a ser discutidas, e passaram a constituir um referencial cultural do país. Ao final dos anos 30 a capoeira foi descriminalizada e passou de um extremo a outro, a ponto de ser defendida por historiadores e estudiosos como esporte nacional, considerada a verdadeira ginástica brasileira. A manifestação já foi apontada como esporte, luta e folguedo, e era praticada por diferentes grupos sociais, principalmente a partir do século XX.
De Bimba e Pastinha à capoeira contemporânea
Os Mestres Bimba e Pastinha foram os responsáveis pela adaptação da capoeira aos novos tempos, de forma que ela pudesse sobreviver, e formaram inúmeros outros mestres ilustres, que continuaram suas linhagens. Na década de 50 estes últimos começaram a expandir a capoeira para outros locais do país e também do mundo.
Em 1937, a capoeira começou ser treinada como uma prática esportiva, e não apenas como uma “vadiação” de rua. Neste mesmo ano Mestre Bimba criou o Centro de Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia. A capoeira regional nasceu como forma de transformar a imagem do capoeira vadio e desordeiro em um desportista saudável e disciplinado. Ele criou estatutos e manuais de técnicas de aprendizagem, descreveu os golpes, toques, cantos, indumentárias especiais, batizados e formaturas.
Em seguida, Mestre Pastinha fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola , em 1941, e assim este estilo passou a ser ensinado através de métodos próprios.
A idéia da capoeira como arte marcial brasileira criou polêmica, pois era defendida por uns e criticada por outros, principalmente pelos angolanos, que afirmavam a ancestralidade africana do jogo.
Pastinha enfatizou o lado lúdico e artístico da capoeira, destacando os treinos de cantos e toques de instrumentos. Também ressaltou a necessidade da manifestação ser exercida em busca da integridade física e espiritual, e buscou na tradição conceitos centrais, como a malícia e a ilusão do adversário sempre que possível, para evitar movimentos mecânicos e previsíveis. Para ele a capoeira era um esporte, uma luta, mas também uma reza, lamento, brincadeira, dança, vadiagem e um momento de comunhão.
Estas iniciativas propiciaram o surgimento de outras academias e centros destinados a este fim. Constituiu-se então uma hierarquização na transmissão deste saber, e foram criados códigos de conduta a serem seguidos nas rodas e treinos (do vestuário às regras para tocar instrumentos, início dos treinos e até a forma de entrar na roda), estabelecendo-se assim uma metodologia de ensino.
Em São Paulo e no Rio de janeiro começaram a ser formados aqueles que se tornariam grandes grupos, com centenas e até milhares de alunos espalhados por diversos lugares do país e do mundo. Nestes locais prevaleceu o aspecto esportivo da capoeira, e esses novos grupos incorporaram elementos de angola e regional, criando um jogo mais rápido, acrobático e esportivo, menos ritualizado e mesclado a influências de outras artes marciais.
Outras características importantes do processo de institucionalização da capoeira como esporte foram a normatização, uniformização, adoção do sistema de graduação através de cordas ou cordões, e a fundação de federações e associações congregando grupos. Tais medidas consagraram o novo estilo denominado de “capoeira contemporânea”.

Volta ao mundo, camará!
A partir de 1970 a capoeira se expandiu em larga escala pelo Brasil. Em contradição a este processo de multiplicação de adeptos, os velhos mestres Bimba e Pastinha passaram por inúmeras privações, e a capoeira na Bahia atravessava uma fase de decadência. A angola, por exemplo, deve sua recuperação, em grande parte, à atuação de Mestre Moraes, aluno de Pastinha, a partir de 1980, com a fundação do Grupo Capoeira Angola Pelourinho, que fortaleceu sua prática na Bahia e a disseminou pelo centro-sul do país e no exterior.
Apesar do fluxo de capoeiristas para a Europa e EUA ter-se iniciado a partir de 1970, a princípio para a realização de shows, e em seguida para a formação de novos grupos nesses locais, foi a partir dos anos 1990 que o movimento da capoeira se intensificou, alcançando hoje o status de prática cultural realmente globalizada, e difundida em mais de 150 países. Esta expansão significa a possibilidade de congregar povos e propiciar o diálogo inter-cultural, mas por outro lado reflete a dura realidade, na qual os talentos natos no país não puderam obter o merecido reconhecimento e muitas vezes sequer sobreviver. No caso da capoeira, são emblemáticos os casos de Mestres Bimba e Pastinha, que mesmo hoje reverenciados como vultos culturais, morreram na miséria e ignorados pelo Estado. Mestre Bimba faleceu em 1974 em Goiás, em situação precária e longe da sua terra natal. Mestre Pastinha morreu pobre e cego num cortiço do Pelourinho, em 1981.
Capoeira e carnaval
Foi por meio dos “clubes de rua” que a capoeira do Recife se aproximou dos primeiros folguedos urbanos. Estas manifestações envolviam a massa de trabalhadores pobres na época do carnaval, entre os quais se destacavam os libertos e descendentes de escravos. Segundo pesquisadores, as origens dos passos do frevo vêm diretamente da capoeira de angola, que teria produzido através da dança guerreira angolana, em sua forma original, não somente o passo como também a pernada carioca.
Já no Rio de Janeiro a figura da capoeira foi sempre muito ligada à do malandro, personagem emblemático da cultura popular carioca a partir da década de 1920. No que se refere ao carnaval, há ainda um paralelo com a história da capoeira na cidade: a ginga dos capoeiristas teria influenciado o carnaval carioca através das danças do mestre-sala e porta-bandeira.
Salvador permaneceu no imaginário coletivo como berço e centro da capoeira, graças principalmente aos mestres Bimba e Pastinha. Apesar de afirmações como essas gerarem controvérsias e polêmicas a respeito da origem da capoeira, é correto afirmar que a capoeira baiana influenciou de forma decisiva o modo do jogo e sua prática desde 1920 no Brasil e no mundo.
As rodas
A roda de capoeira é a forma de expressão que permitiu o aprendizado e a expansão do jogo. Nela são encenados golpes e movimentos acrobáticos, cânticos antigos são reutilizados e outros inventados (acompanhados por uma orquestra de instrumentos que produz uma sonoridade múltipla e característica desta arte) e as trocas de conhecimento se estabelecem.
Momento determinante da prática da capoeira, a roda não pode ser ignorada. Seja na capoeira angola, regional, ou a que funde as duas vertentes, ela é um espaço de criação artística e performance cultural em que se realiza plenamente a múltipla dimensão da capoeira, daí a necessidade deste ritual também ser incluído no registro.
O processo de aprendizado
Três momentos históricos caracterizam o aprendizado da capoeira. A primeira fase destaca as formas de aprendizado existentes nos períodos de sua criminalização, do ano de 1890 até seu processo de descriminalização, em 1937. O aprendiz deveria se vincular diretamente aos mestres e praticantes. Para participar, o iniciante entrava na roda a partir da observação e da vivência de suas rotinas, já que o mestre não era um professor no sentido estrito da palavra. Este era o método de “oitiva”.
Em seguida, ocorreu o período de escolarização da capoeira, em que foram formadas as primeiras academias oficiais e institucionalizadas, destacando-se principalmente as vertentes da capoeira regional e capoeira angola. Nestas práticas formais de aprendizagem o vínculo entre o aprendiz e o professor era ligado às habilidades a serem desenvolvidas, cujos exercícios deviam ser repetidos de modo serial e não necessariamente dentro de um contexto histórico e ancestral.
E por último, houve o período que compreende a década de 1980 até os nossos dias, ou fase contemporânea da capoeira, em que podemos observar a proliferação de grupos, vertentes, e alunos pelo Brasil e pelo mundo.
É possível afirmar também que durante a sua longa história a capoeira vem se modificando, incorporando e abandonando algumas destas tradições de aprendizado e transmissão. Desta forma, estamos diante de duas tradições de ensino e aprendizado que atravessaram a história: o modelo da escola tradicional, voltado para a sistematização, racionalização e competição, em que o importante é o resultado do processo de aprendizado, e o modo inspirado na forma antiga de aprender, na qual a vadiação, a brincadeira e a estética tornaram-se a base.
Linha do Tempo
- A capoeira se desenvolveu no Brasil provavelmente no século XVIII
- Mal vista pelas autoridades, a partir de 1890 foi criminalizada e chegou a ser incluída no Código Penal como atividade proibida. Os capoeiristas passaram a sofrer dura perseguição e repressão policial.
- A partir da década de 1920 a prática começou a ser descriminalizada e com o apoio de intelectuais e historiadores passou a ser considerada um legítimo esporte brasileiro.
- Mestre Bimba fundou sua academia e deu início ao estilo chamado de Capoeira Regional em 1937. Foi neste ano que se consolidou a descriminalização desta arte. Ele fez uma apresentação para o presidente Getúlio Vargas em 1954, ocasião em que o estadista teria se referido à capoeira como único esporte genuinamente nacional.
- Em 1941, Mestre Pastinha abriu o seu centro esportivo e disseminou o estilo denominado Capoeira Angola.
- Uma grande leva de capoeiristas chegou ao Rio por volta de 1950 oriundos da Bahia. O mais importante deles foi Mestre Arthur Emídio, que trouxe um estilo de capoeira diferente, de movimentação veloz e marcialmente eficaz, mas que mantinha orquestração musical. Ele também realizava apresentações folclóricas, e chegou a lutar nos ringues com os jiu-jitsukas da família Gracie para difundir a capoeira. Emídio foi provavelmente o primeiro capoeirista a viajar para o exterior, e chegou a se apresentar para os presidentes brasileiros Vargas e Kubitschek, e para os norte-americanos Eisenhower e Kennedy.
- Ainda na década de 50 a capoeira passou a ser retratada e divulgada por artistas como Jorge Amado, Carybé e Pierre Verger, entre outros. Nos anos seguintes, entre 60 e 70, ganhou espaço também nas produções artísticas do Cinema Novo, Tropicália e Bossa Nova.
- Em 1975 o esporte chegou a Nova York, e em 1990 Mestre João Grande inaugurou a primeira escola de capoeira angola dos EUA: Capoeira Angola Center. Em 2001 ele recebeu uma alta homenagem do governo dos EUA, além de ser nomeado como doutor honoris causa por uma universidade de Nova Jersey, o Upsala College, em 1994. Antes disso, ele havia abandonado a capoeira e estava trabalhando como atendente num posto de gasolina em Salvador.
- Atualmente a capoeira está presente em mais de 150 países, atraindo praticantes e estudiosos dos cinco continentes do planeta. Sua globalização, feita sem incentivo governamental, ocorreu devido às viagens dos capoeiristas, considerados por muitas autoridades e adeptos como “embaixadores informais” da cultura brasileira.
Saiba mais:

Maestria reconhecida

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